LER PARA ESTUDAR
Habilidades, procedimentos, e gêneros de apoio à compreensão
"A maior parcela de nossa população, embora hoje possa estudar, não chega a ler. A escolarização, no caso da sociedade brasileira, não leva à formação de leitores e produtores de textos proficientes e eficazes e, às vezes, chega mesmo a impedi-la.
As práticas didáticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas pela sociedade abrangente: aquelas que interessam à leitura para o estudo na escola, entendido como um processo de repetir, de revozear falas e textos de autor(idade) – escolar, científica – que devem ser entendidos e memorizados para que o currículo se cumpra.
Mas ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e dependentes de contexto, cada um deles exigindo certas capacidades leitoras e não outras." (Rojo)
DO QUE DEPENDE AFINAL A COMPREENSÃO DE UM TEXTO?
Conhecimento de mundo;
Conhecimento específico;
Conhecimento do gênero do discurso ou tipo de texto em questão;
Conhecimento linguístico.
ou seja: Desenvolvimento de capacidades leitoras
Vídeo 01: Roxane Rojo LETRAMENTO E CAPACIDADES LEITORAS
O que é ler?
Ler envolve diversos procedimentos e capacidades (perceptuais, práxicas, cognitivas, afetivas, sociais, discursivas, linguísticas), todas dependentes da situação e das finalidades de leitura, algumas delas denominadas, em algumas teorias de leitura, estratégias (cognitivas, metacognitivas).
Leitura como decodificação:
Os modelos bottom-up
Leitura como compreensão:
Os modelos top-down
O modelo estratégico
Leitura como interação
leitor/texto
leitor/autor
Leitura como discurso e réplica ativa
Modelo top-down - se baseia no conhecimento prévio trazido pelo leitor para o processo de leitura.
Modelo bottom-up - o leitor constrói o significado apenas ao reconhecer as palavras e a estrutura das sentenças na página impressa de um texto (Nuttal, 1996:17). Esse modelo atua do específico para o geral, ou seja, parte das palavras para as sentenças (Meurer, 1985:37).
Modelo estratégico ( interativo) , que afirma que ambos os modelos acima citados ocorrem de forma integrada, dependendo do tipo de texto, do conhecimento prévio do leitor, de seu nível de proficiência na língua, das estratégias de leitura usadas e, principalmente, de suas crenças sobre como se dá a compreensão textual.
Se o leitor acredita que a tradução de um texto é uma das melhores estratégias válidas, valorizará somente a decodificação de palavras em uma leitura linear e bottom-up do texto. Porém, se o leitor consegue interagir com o texto, buscando estabelecer uma relação top-down entre seu pensamento e seu conhecimento prévio, além de sua interação com o texto e o processamento dessa informação, está utilizando um modelo mais complexo e interativo de processamento mental de informações, ou seja, um modelo em que combina ambos, top-down e bottom-up, além de se expandir para uma esfera mais interativa de compreensão da linguagem.
DOMÍNIOS DE LEITURA*
- Identificação e recuperação de informação: habilidades que envolvem reconhecimento literal -> LER NAS LINHAS
- Compreensão e interpretação: habilidades que envolvem inferência e integração de segmentos do texto -> LER ENTRE AS LINHAS
- Reflexão: habilidades que envolvem avaliação e julgamento -> LER POR TRÁS DAS LINHAS
*Prova Brasil
VÍDEO 02: OBJETIVOS DE LEITURA com Débora Mallet
DOMÍNIOS DA LEITURA
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POSSÍVEIS DESCRITORES (ADAPTADOS DA PROVA BRASIL)
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Identificação e recuperação de informação
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. Localizar informações em textos pertencentes a diferentes gêneros e com diferentes graus de complexidade (lexical, sintática; maior ou menor extensão etc.);
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Compreensão e interpretação
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. Inferir informações;
. Explicitar o assunto;
. Estabelecer relações lógico-discursivas (fato e opinião; causa/efeito; tese/argumentos; problema/solução; definição/ exemplos etc.);
. Identificar elementos coesivos;
. Reconhecer as marcas linguísticas identificadoras do locutor e do interlocutor;
. Sintetizar o texto;
. Comparar e relacionar textos (estabelecer relações de intertextualidade);
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Reflexão
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. Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros e suportes;
. Identificar o ponto de vista do enunciador;
. Avaliar a adequação da linguagem à situação comunicativa;
. Identificar implícitos e o efeito de sentido decorrente de determinados usos expressivos da linguagem.
. Posicionar-se de maneira responsável em relação a temas e efeitos de sentido dos textos;
. Fazer apreciações e valorações estéticas, éticas, políticas e ideológicas envolvidas na leitura crítica de textos.
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Um exemplo de leitura “entre as linhas”:
Com gemas preciosas para financiá-lo, nosso herói desafiou bravamente todos os risos desdenhosos que tentaram dissuadi-lo de seu plano.
“Os olhos enganam”, disse ele, “um ovo e não uma mesa tipificam corretamente esse planeta inexplorado”.
Então as três irmãs fortes e resolutas saíram à procura de provas, abrindo caminho, às vezes através de imensidões tranquilas, mais amiúde através de picos e vales turbulentos.
Os dias se tornaram semanas, enquanto os indecisos espalhavam rumores apavorantes a respeito do beiral.
Finalmente, sem saber de onde, criaturas aladas e bem vindas apareceram anunciando um sucesso prodigioso.
(DOOLING e LANDMAN, 1981, apud KLEIMAN, 1999[1989], p. 21)Um exemplo de leitura “por trás das linhas”:
Para interpretar um texto discursivamente, é preciso situá-lo:
Responda as questões em relação ao post de Mayara Petruso no Twitter, logo após os resultados da Eleição para Presidente.
1.Quem é seu autor?
2.Que posição social ele ocupa?
3.Que ideologias assume e coloca em circulação?
4.Em que situação escreve?
5.Em que veículo ou instituição?
6.Com que finalidade?
7.Quem ele julga que o lerá?
8.Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor intentado ocupa e assume?
9.Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente?
10.Que grau de adesão ele intenta?
Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã. Sem isso, o leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a ele.
Um exemplo de leitura “por trás das linhas”:
Agora veja as réplicas de leitores de um blog que deu esta notícia. Reflita sobre as mesmas questões em relação a alguns desses comentários.
Quais conclusões você retira sobre as capacidades leitoras de apreciação e réplica?
Acesse: Blog Robson Pires Xerife
(acesso em 02/09/2020)
LITERATURA
Como definir literatura?
-Há livros bons em si?
-Todos devem apreciar o mesmo tipo de texto?
-Há uma qualidade estética objetiva nas obras?
-Há uma maneira correta de ler literatura?
-Que maneira de ler deve-se ensinar nas aulas de literatura?
-Que textos devem ser privilegiados nas aulas de literatura?
Cultura Letrada: Literatura e Leitura (ABREU, 2006 )
DIANTE DESSES EXEMPLOS, PERCEBEMOS QUE NÃO HÁ ALGO IMANENTE AOS TEXTOS LITERÁRIOS QUE OS MARCA E OS DISTINGUE DOS DEMAIS.
ENTÃO, SE A LITERARIEDADE NÃO ESTÁ “VISIVELMENTE MARCADA”, COMO SABER SE ALGO É LITERATURA, SEM QUE HAJA UM CONTEXTO QUE O DEFINA, OU QUE ISTO TENHA SIDO PREVIAMENTE ANUNCIADO?
TESTANDO HIPÓTESES...
Algumas possíveis (e recorrentes) definições de literatura
A questão do valor...
Por trás da definição de literatura está um ato de seleção e exclusão, cujo objetivo é separar alguns textos, escritos por alguns autores do conjunto de textos em circulação. Na maior parte das vezes, não são critérios linguísticos, textuais ou estéticos que norteiam essa seleção de autores, mas sim posições políticas e sociais.
Assim, já que os critérios de seleção não dão conta dos textos que “sobram”, recorre-se à adjetivação da literatura em “Alta Literatura”, “Literatura Erudita”, “Grande Literatura” – sempre com maiúsculas – para abrigar aqueles textos que interessam, separando-os dos outros textos em que também se encontram características literárias, mas que não se quer valorizar: “literatura popular”, “literatura infantil”, “literatura feminina”, “literatura marginal”.
Assim, os melhores textos literários, na verdade, são os melhores para algumas pessoas, cujo prestígio intelectual transforma a opinião em uma verdade única.
E A ESCOLA?
A escola ensina a ler e a gostar de literatura. Alguns aprendem e tornam-se leitores literários. Entretanto, o que quase todos aprendem é o que devem dizer sobre determinados livros e autores, independentemente de seu verdadeiro gosto pessoal, já que os livros que lemos (ou não lemos) e as opiniões que expressamos sobre eles (tendo lido ou não) compõem parte de nossa imagem social.
Talvez a "moral da história" devesse ser outra: a avaliação que se faz de uma obra depende de um conjunto de critérios e não unicamente da percepção da excelência do texto. Ler um livro não é apenas decifrar letra após letra, palavra após palavra. Ler um livro é cotejá-lo com nossas convicções sobre tendências literárias, sobre paradigmas estéticos e sobre valores culturais. É sentir o peso da posição do autor no campo literário (sua filiação intelectual, sua condição social e étnica, suas relações políticas etc.). É contrastá-lo com nossas ideias sobre ética, política e moral. É verificar o quanto ele se aproxima da imagem que fazemos do que seja literatura. Normalmente nenhum destes critérios é explicitado, uma vez que o discurso da maior parte da crítica é construído a partir da aftrmação de uma imanente literariedade.
(ABREU, 2006, cap. 5, p. 99)
PAPEL DAS AULAS DE LITERATURA
Diante dessa realidade, o papel das aulas de literatura é de formar leitores literários:
1. apreciadores dos diversos cânones de textos e de comunidades específicas, valorizados e não valorizados;
2. senhores de um conjunto de critérios de apreciação:
sobre as qualidades literárias do texto (trabalho sobre a língua/linguagem);
sobre tendências literárias, paradigmas estéticos e valores culturais; e
sobre a posição do autor no campo literário (sua filiação intelectual, condição social e étnica, relações políticas, etc.). (ABREU, 2006, cap. 5, p. 99)
3. capazes de se posicionar e de defender sua posição de maneira ética e estética diante de uma obra literária ou artística de campos valorizados ou não.
LEITURAS DE MUNDO... OU“A
TRAIÇÃO DAS IMAGENS”
M. Terezinha T Guerra
"Aprendemos desde crianças, em casa e
na escola, que só se lê o que está nos livros, ou melhor, que apenas textos
verbais são passíveis de leitura. Assim, bons leitores conhecem – e lêem - os
grandes nomes da literatura universal, frequentam bibliotecas, possuem bons
acervos de textos, de livros, assinam jornais, revistas, e, mais do que tudo,
entendem, interpretam, atribuem e se apropriam dos significados veiculados
pelos códigos verbais. Aprendemos, também, o que é correto, que quanto mais
lermos estes códigos, melhores seremos ao usá-los, tanto na leitura quanto na
produção – oral ou escrita deles.
Acontece
que há muito mais para se ler!
Lemos rostos, gestos, pessoas,
cidades inteiras e os pequenos ícones do computador... Lemos imagens, os sons e
a paisagem; a propaganda e a embalagem, o cartão amarelo e o sinal vermelho; o
apito do guarda e a sirene da ambulância; o outdoor que se agiganta e o selo da
carta no correio... Partituras musicais, radiografias, ultra-sons e
eletrocardiogramas! Sinais de trânsito, obras de arte e toda a sorte de
manifestações artísticas: teatro, dança, cinema, fotografia, gravura,
audiovisual, escultura, pintura, música, webdesign e tantas outras!
O ser humano é um ser
simbólico. Desde tempos imemoriais, constrói e atribui significados a linhas,
formas, cores, luzes, sombras, volumes, sons, silêncios, gestos, movimentos...
Construiu totens, obeliscos, pinturas corporais, cocares... Danças para pedir a
clemência dos deuses e música para homenagear seus ancestrais; máscaras e
pajelanças acompanhadas de instrumentos que produziam estranhos sons curavam as
dores do corpo e da alma... Esculturas gigantescas e carrancas assustadoras
afastavam os maus espíritos... A cruz dos cristãos, a estrela de David, as
coroas dos reis e imperadores, a auréola dos santos, as condecorações
militares, a suástica e as reverências, saudações, continências, genuflexões,
salvas de tiros, assobios, sinais de fumaça, rojões... O distintivo na lapela e
a aliança na mão esquerda... As viagens
ao outro lado da vida presentes nas pirâmides tumbas dos faraós, as batalhas
relatadas nos baixos relevos, tapeçarias e estandartes medievais - orientais e
ocidentais, os pré-colombianos códices maias, as vias sacras, afrescos e vitrais
nas grandes catedrais góticas relatando fatos da bíblia são alguns poucos
exemplos dentre os muitos que existem de narrativas figuradas presentes na
história da humanidade, desde as grutas de Altamira e Lascaux... O fato é que o ser humano jamais interrompeu
sua vertiginosa e fascinante produção de signos, patrimônio simbólico material
e imaterial de todas as culturas.
A contemporaneidade se apresenta como uma época em
que a presença de signos, de imagens, de sinais, códigos, símbolos, ícones,
índices, alegorias é tão maciça, que torna o mundo – como se já não o fosse -
cada vez mais e mais simbólico. Assim, além das obras de arte – o que já não é
pouco! – bandeiras, distintivos, logomarcas, jingles, vinhetas, quadrinhos,
videoclipes, cartazes, sinais, apitos, novelas, charges, anúncios, luminosos,
animações, comerciais, grafites, intertextos, hipertextos, multimídias, ficção
e realidade, o virtual e o concreto invadem o nosso cotidiano, disputando a
atenção de quem nem sempre os compreende (ou dispõe de tempo para) ou a eles se
submete, deixando-se levar por interpretações superficiais ou banalizadas,
ausentes de reflexão. É o tempo da pressa, da urgência de escolhas. É o tempo
da onipresença da imagem televisiva, dos ipods e da multimídia. Do celular – criado
para o uso do código verbal, mas que também é imagem: filma e fotografa; dos
chats e blogs da Internet, voltados para escrita, mas que precisa da
visualidade dos “emoticons” (emotion + icons) para fortalecer estados de
espírito, já que não se vê o rosto e a expressão de quem escreve, não se
“sente” a voz de quem fala..
Imagens virtuais, visuais,
sonoras, gestuais, corporais, todas não verbais: é possível viver, pensar,
imaginar, conhecer “mundos” sem elas?
Não há como negar, os grandes referenciais
de crianças, jovens e adultos contemporâneos são os mundos irreais,
artificiais, virtuais, fugidios, instantâneos, mas persuasivos e paradisíacos
da televisão, da propaganda, da multimídia. Todos eles pautados pela presença
maciça dos códigos não verbais, que numa dimensão caleidoscópica e vertiginosa
de mundos paralelos interferem na maneira de cada um ver-se a si mesmo, ao
outro, à vida. A produção e a circulação destas imagens constroem significados
coletivos que podem também se transformar em instrumentos de dominação e poder.
Há até quem diga que os conceitos e
experiências de identidade cultural e de pertencimento se dão, atualmente, por
meio da programação televisiva, pelo “plin-plin” da emissora mais assistida,
pelas vinhetas e a música da abertura do programa do domingo. Este é o novo
show da vida... Vida que pode tornar-se cada vez mais automatizada, robotizada,
num mundo que poderá vir a ser habitado por seres cada vez mais alienados,
estereotipados, submissos a uma cultura de massa que pode vulgarizar o ser,
banalizar a vida, mediocrizar as relações humanas... Não é a toa que governos
autoritários, ditaduras tanto temem (censuram, prendem, torturam, exilam e até
matam artistas) quanto se utilizam imensamente dos códigos não verbais...
Na verdade os
séculos XX e XXI conviveram e convivem com processos de criação e reprodução de
imagens – sonoras e visuais - inexistentes em qualquer outra época da história
da humanidade.
Ao mesmo tempo que tais invenções
possibilitam um sem número de vantagens, de acesso a conhecimentos antes
impensáveis, podem trazer também, especialmente
a televisão, um mundo editado, manipulado, cujos imperativos são os fatores
econômicos e/ou políticos.
Preocupante
também é o uso que se faz de imagens – verdadeiras – para construção de contextos
e informações falsas. Alguém já disse que é possível dizer grandes mentiras
dizendo/mostrando só a verdade; que a fotografia não mente, mas mentirosos
fotografam... Assim, é possível, por exemplo, numa manifestação que juntou dez
milhões de pessoas numa determinada praça, veicular nas TVs, revistas e jornais
uma foto que mostra seu término, seu momento de dispersão, um grupo de meia
dúzia de pessoas, mas a legenda ou o locutor diz: foto da manifestação tal no
dia tal... Verdade? Mentira?!
Tais questões têm sido motivo de
preocupação para educadores de diversos países como Canadá, Austrália,
Tailândia, Grã-Bretanha, Israel, Finlândia, México, Espanha, Índia e Filipinas
que já têm em seus currículos escolares a disciplina “media literacy”[1]
voltada para a leitura, discussão, relações, influências e reflexão sobre o mundo
construído, editado que se vê na televisão, na hipermídia e o mundo em que de
fato se vive...
Mantida – salvo raras exceções - por recursos vindos da
propaganda e da publicidade, a televisão reserva a elas grande parte de seu
tempo. Brilhantes, inteligentes, persuasivas, educativas, artísticas,
medíocres, de mau gosto, preconceituosas, há de tudo no mundo da propaganda que
hoje vende desde sabonetes a presidentes da república... Mas, assim como a TV é
um mundo fascinante, o da publicidade também o é. Linhas, cores, volumes,
luzes, formas, trilhas sonoras são de tal maneira organizadas e compostas que
atingem, de maneira diferente, os mais diversos seres do planeta. Cada um lê
com os olhos que tem, com o repertório que possui. Por isso também é urgente a
necessidade dessa “alfabetização” nos códigos não verbais, pois, sua leitura
pressupõe muito mais do que decodificar linhas retas ou cores primárias; sons
graves ou agudos; gestos suaves ou movimentos sinuosos... Significa interpretar
o discurso por trás da cor, a ideologia presente no gesto, o significado
político de uma canção, a intenção de uma campanha publicitária.
Criar
embalagens, outdoors, jingles, comerciais etc. e influenciar
pessoas por meio da beleza e da persuasão é também produto do trabalho de
pessoas que aliam a estética à sedução. Assim, não é qualquer cor ou formato de
uma embalagem que vai atrair mais a atenção e fazer com que as pessoas comprem
determinado produto; também, não é qualquer logomarca ou outdoor que irá
seduzir. Desenvolver a campanha publicitária de um produto ou candidato a cargo
político, por exemplo, é, na verdade, lançar nova mercadoria para competir no
mercado; necessita muito estudo e requer uma equipe enorme de desenhistas,
projetistas, fotógrafos, operadores de vídeo, filmadores, editores,
arte-finalistas, redatores, roteiristas, publicitários, artistas, compositores,
cantores, atores... Isso tudo antes de a campanha tomar conta das ruas, rádios,
TVs, revistas, catálogos...Como exemplo de trabalho de criação em equipe é
admirável! Como resultado, algumas produções são verdadeiras
preciosidades!
O mundo do
consumo e da propaganda – que geralmente cria necessidades onde não as há - tem
sido motivo de pesquisas bastante sérias. Outdoors, jingles, comerciais,
adesivos, brindes que antes eram dirigidos a adultos, hoje já têm nas crianças
seu público alvo; a criança é o cliente... Há carrinhos de compras “tamanho
infantil” nos supermercados!
Enfim, pensar
um currículo que contemple as práticas culturais dos alunos, a cultura na qual
se insere a escola, é inviável se não levar em conta as questões aqui
colocadas. Cultura também é, hoje mais do que nunca, a cultura do não verbal.
É óbvio que a leitura, a produção de a
crítica dos códigos não verbais é um dos objetivos e conteúdos específicos das
aulas de Arte, mas não deverão ser contempladas como fontes de informação e
conhecimento apenas nas aulas dessa disciplina. Obras de arte e produções
artísticas são campos de sentidos que emergem da história, de um contexto social,
político, histórico e cultural que ampliam a leitura de mundo de todos que
delas se apropriam, tornando acessíveis a todos o pensamento, as idéias e
sentimentos de povos de todas as épocas, países e culturas!
Vale lembrar que filmes, músicas,
propagandas, outdoors, reproduções de obras de arte, vídeos, audiovisuais,
imagens em geral, visitas a museus, salas de concertos, teatros, são meios
extremamente eficazes para a compreensão dos mais diferentes conteúdos nas
diversas áreas de conhecimento e que, se para professores das outras
disciplinas são recursos, nas aulas de Arte são o próprio objeto de estudo.
Jamais serão meios! Embora com objetivos diferentes, todos os professores –
como mediadores que são - deverão estar atentos à leitura, à crítica, à recepção
do não verbal, que não devem ser vistos como meras decorações ou ilustrações
sem significado. Sempre têm uma intenção!
As questões artísticas e estéticas, a
construção de redes perceptivas, afetivas, conceituais e cognitivas elaboradas
no diálogo entre leitor e imagens na busca da atribuição de sentidos,
especialidade do professor de Arte, terão seu momento privilegiado
nas aulas desta área de conhecimento, mas a não banalização destes conteúdos
nas outras disciplinas é fundamental!
Assim também, imprescindível é o
respeito à liberdade de expressão, à diversidade cultural, aos valores
simbólicos das mais diversas culturas, povos e países, assim como às produções
dos colegas da classe. Fotografias que se guardam nas carteiras não são apenas
pedaços de papel, assim como a bandeira nacional não é só um pedaço de pano...
Uma guerra quase foi desencadeada e muitas pessoas morreram por causa de um
desenho, de uma charge do profeta Maomé... Em alguns países europeus, como na
França, meninas muçulmanas estão sendo impedidas de usar o véu nas escolas
assim como em algumas cortes americanas e salas de aula italianas crucifixos
estão sendo retirados das paredes, não pelo que são, mas pelo que
representam... O verde e o amarelo solicitado uma vez aos brasileiros por um
ex-presidente, tornou-se um mar negro de repúdio e de protesto sem palavras...
Com
toda certeza, não lemos só o que está nos livros embora, em hipótese alguma
devamos abrir mão deles!
A não “alfabetização” nos códigos
chamados não verbais é também uma forma de exclusão. A educação para a
compreensão das manifestações não verbais contribui, de forma inequívoca, para
o letramento, para a ampliação do olhar sobre si próprio, sobre o outro, para a
leitura de mundo e das inúmeras culturas, construindo um olhar mais sensível,
crítico, questionador e transformador da sociedade naquilo que se faz mais
urgente. Como ser produtor e leitor de culturas, inserido nelas, os aprendizes
terão a possibilidade de adquirir mais meios para construir suas identidades
pessoais, nacionais; sua cidadania e o sentido de pertencimento...
Aos professores resta lembrar que a
palavra ensinar vem de “ensignare”, que significa apontar signos..."
[1] “Em síntese, a
chamada media literacy (expressão
inglesa que não tem uma tradução no português) pode ser subdividida em três
campos:
Alfabetismo visual – habilidade para
interpretar o simbolismo das imagens visuais estáticas ou em movimento e
entender seus impactos na audiência.
Alfabetismo midiático – habilidade para
entender como os meios de comunicação de massa, como TV, cinema, rádio e
jornais trabalham na produção de significações e como estão organizados.
Leitura Crítica da Mídia – habilidade para
entender como apresentadores, escritores e produtores de textos e conteúdos
audiovisuais integram contextos particulares e são influenciados por aspectos
pessoais, sociais e culturais. (...)
Maria Aparecida Baccega, professora da Universidade de São Paulo (USP), atua na
área há 20 anos. Ela considera que uma mudança social inclusiva só pode ser efetivamente
alcançada se houver senso crítico para isso, e “a educação desempenha aí papel
fundamental”. – Alfabetização para as mídias: como ler o que não está escrito.
Fonte: MidiaComDemocracia- Revista do Fórum Nacional pela Democratização da
Informação.
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