10 de fevereiro de 2013

Pela ritualização da sala de aula

Julio Groppa Aquino é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Nove entre dez profissionais da educação afirmam que um dos maiores entraves do ofício reside no descaso com a autoridade do professor por parte das novas gerações. Embora legítima, essa constatação merece alguns reparos.
Em primeiro lugar, não se pode conceber a noção de autoridade na vida contemporânea como algo de véspera. Ela se constrói aos poucos, artesanalmente. Em segundo, as ações escolares que se pretendam democráticas necessitam ser negociadas e reinventadas continuamente. É aí que desponta a proposta de contrato pedagógico uma alternativa relativamente simples, mas com resultados notáveis.
Os antigos costumavam dizer que "o combinado não sai caro". Com razão. Celebramos contratos mesmo que implícitos todo o tempo, em todos os momentos da vida. É uma espécie de pacto de confiança, que poderia ser assim resumido: "Primeiro, diga-me o que espera que eu faça e seja, para que eu possa esperar algo de você". Assim começamos a cultivar expectativas acerca do outro e de nós mesmos e passamos a contar com parâmetros de julgamento de nossas ações e das alheias.
Um bom exemplo disso é o primeiro dia de aula ocasião mágica de convocação dos mais jovens para o ingresso no velho mundo que os precede. Muitas vezes, apenas o bom senso não é suficiente para nos guiar mediante a engenhosa tarefa de iniciar o ano letivo. Quem não precisa de um certo fôlego diante de trinta ou quarenta pares de olhos desconfiados, espreitando o que virá e se repetirá nos próximos meses? É hora de ultrapassar as aparências, de dizer a que viemos.
Sempre que deparamos com alguém pela primeira vez é preciso conhecer sua trajetória de vida. Vale a pena, de cara, aproveitar o tempo para contar um pouco de sua história e ouvir as que os alunos têm para revelar. Histórias de realizações, de fracassos e, sobretudo, de aspirações.
Mas não só. É fundamental o professor dispor abertamente do projeto de trabalho para o ano que se inicia, dando a conhecer as exigências e condições mínimas para que as aulas transcorram a contento. O mesmo vale para o outro lado do balcão. Muitos se espantarão com a clareza que os alunos têm de seus deveres. E vontade de participar não lhes falta a não ser que não se queira vê-la...
Estabelecer um plano contratual significa organizar conjuntamente as rotinas de trabalho (o que será feito) e de convivência (como será feito) do jogo escolar. Não se trata de regras fixas. Elas devem estar em constante revisão. No meio do caminho, é inevitável recordar ou mesmo reformular os acordos. Mal nenhum há nisso.
Os contratos pedagógicos explicitam as condições mínimas para que as aulas ocorram a contento. São um pacto de confiança entre professor e aluno
Mais importante de tudo: contratos estão longe de ser uma lista de mandamentos do que não pode ser feito. Ao contrário, eles tratam do que deve ocorrer durante o ano letivo. O resto o respeito mútuo, o exercício livre do pensar e a alegria de tomar parte da vida escolar é conseqüência.
Contratos pedagógicos são, em suma, formas sutis de ritualização da sala de aula. São estratégias de consagração dos diferentes papéis de professor e aluno esses protagonistas do mundo das idéias e seu encantamento, que ainda poucos conhecem.

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